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Pioneiros do espaço: o casal que mudou a astronomia
Uma história de amor que nasceu no início dos anos 50 e atravessou meio século. Carolyn e Eugene Shoemaker se apaixonaram, um pelo outro, e ambos pela ciência. Juntos, eles criaram 3 filhos, fundaram a astrogeologia e mudaram para sempre a nossa maneira de enxergar os pequenos corpos e os grandes impactos do Sistema Solar. Em 2025, estamos celebrando os 10 anos do Asteroid Day homenageando pessoas que tiveram importantes contribuições no estudo dos asteroides, cometas e seu histórico de impactos. E pra começar, nada melhor que lembrar desse casal que mudou a ciência e deixou sua marca em nosso planeta, na Lua e até mesmo em Júpiter.
Tudo começou com Eugene Shoemaker, um geólogo de mente inquieta e coração apaixonado pelo céu. Ele nasceu em Los Angeles em 1928 e foi o primeiro a provar que uma certa cratera no Arizona não se tratava de um vulcão, e sim de uma cicatriz de um impacto violento ocorrido no passado. Seu trabalho na Cratera de Barringer mudou completamente a forma como entendemos essas formações circulares que pontuam tanto a superfície da Terra quanto a da Lua e de outros mundos. Até então, muitos cientistas acreditavam que essas crateras eram resultado de processos vulcânicos e que a era dos grandes impactos já havia terminado em nosso Sistema Solar. Eugene Shoemaker mostrou não apenas que as crateras podem ser criadas por asteroides, mas também que esses impactos continuam a ocorrer por todo o Sistema Solar, inclusive na Terra.

Esse espírito pioneiro fez de Eugene um dos fundadores da astrogeologia, o campo que estuda a geologia de corpos celestes. Seu sonho era ir até a Lua, estudar as crateras e coletar suas amostras pessoalmente, com seu próprio martelo. Chegou a ser selecionado para um programa de formação da NASA, mas, por questões médicas, não pôde se tornar astronauta. Ainda assim, treinou os astronautas das Missões Apollo para que eles fossem seus braços na Lua, e pudessem distinguir quais seriam as melhores amostras a serem coletadas por lá.
Esse universo de crateras, rochas espaciais e paixões científicas acabou despertando o interesse de sua esposa. Carolyn e Eugene casaram-se em 1951 e trouxeram ao mundo três filhos, Christy, Linda e Patrick, Mas foi somente em 1980, aos 51 anos e depois que seus filhos cresceram e se mudaram de casa, que Carolyn Shoemaker iniciou sua carreira na astronomia, provando que nunca é tarde para seguir uma vocação. E ela já começou por cima, trabalhando em um dos maiores telescópios da época, no Observatório do Monte Palomar.
Seu trabalho era analisar as fotos feitas no observatório para identificar os pequenos objetos se movendo à distância. Com uma habilidade visual extraordinária, que lhe permitia distinguir facilmente as diferenças entre duas fotos idênticas, ela se tornou a maior descobridora de cometas e asteroides do Século XX e uma das maiores da história. Foram 32 cometas e mais de 500 asteroides encontrados, um verdadeiro exército de pequenos corpos que, até então, passavam despercebidos por nossos telescópios.
Em 1993 Eugene conseguiu um cargo no Observatório Palomar e foi trabalhar ao lado de sua esposa. Juntos, Carolyn e Eugene formavam uma dupla harmoniosa: ele, o teórico apaixonado por crateras; ela, a observadora incansável das placas fotográficas no Observatório Palomar. Um casal que compartilhava o amor pelo Universo e pelas rochas que cruzam suas vastidões. Um elo que unia ciência e sentimento — como se cada nova descoberta fosse também uma declaração de amor.
Foi justamente desse trabalho conjunto que surgiu, em 1993, a descoberta mais marcante da carreira dos dois: o cometa Shoemaker-Levy 9. Junto com o astrônomo David Levy, eles encontraram um cometa fragmentado, em pedaços, aprisionado pela gravidade de Júpiter. O que parecia uma descoberta curiosa logo se revelou um espetáculo cósmico sem precedentes. Em julho do ano seguinte, os fragmentos do Shoemaker-Levy 9 colidiram com o gigante gasoso em uma sequência de explosões que puderam ser observadas da Terra. Foi a primeira vez que testemunhamos, em tempo real, um impacto interplanetário de grande escala.
As manchas escuras, do tamanho da Terra, na atmosfera de Júpiter, nos lembraram de forma visual — e visceral — que impactos cósmicos não são eventos raros do passado. Eles continuam acontecendo. E se aconteceram em Júpiter, poderiam acontecer aqui. O impacto do Shoemaker-Levy 9 em Júpiter foi acompanhado com fascínio e perplexidade, tanto da Terra, quanto do Espaço. Foi a partir daquele evento que a NASA percebeu que o trabalho realizado pelo casal Shoemaker era essencial para o futuro da humanidade e passou a investir pesadamente nos programas de busca por objetos próximos à Terra.
O legado dos Shoemaker não parou ali. Eles ajudaram a popularizar a ideia de que o Sistema Solar é um lugar dinâmico, em constante transformação — e, às vezes, um pouco perigoso. Mostraram que asteroides e cometas não são apenas restos da formação do Sistema Solar, mas atores ativos na história dos planetas. E que entender esses corpos é essencial não só para conhecer o passado da Terra, mas também para proteger seu futuro.
Foram homenageados de diversas formas: com prêmios, nomes de asteroides e crateras, e principalmente, com o reconhecimento duradouro da comunidade científica. Mas talvez a homenagem mais marcante tenha vindo do próprio céu. Quando Eugene faleceu em 1997, em um acidente automobilístico na Austrália, parte de suas cinzas foi levada pela sonda Lunar Prospector que se chocou com a Lua, na Cratera Shoemaker. Ele, que não pôde ir à Lua em vida, acabou repousando por toda a eternidade no lugar que tanto sonhou visitar. Tornou-se o único ser humano, até hoje, a ser sepultado fora da Terra — e ele chegou à Lua da forma como mais gostaria, com um impacto.
Carolyn seguiu sua jornada por mais duas décadas, até nos deixar em 2021, aos 92 anos. Foi homenageada por colegas, instituições e astrônomos de todas as partes do mundo. Afinal, ela não apenas descobriu cometas — ela inspirou constelações inteiras de cientistas, especialmente mulheres, a buscarem seu lugar sob as estrelas.
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Agora, com o Asteroid Day se aproximando, é o momento ideal para lembrar de Eugene e Carolyn Shoemaker — não apenas como cientistas brilhantes, mas como o casal mais impactante do Sistema Solar. Juntos, eles não só revelaram os perigos vindos do espaço, como também nos ensinaram a enxergar beleza nas cicatrizes cósmicas e paixão na poeira estelar. Um casal que deixou seu nome marcado em nossos corações e nas estrelas.
Fonte:Olhar Digital