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Psiquiatra afirma: “Jovens têm dificuldade de viver a vida real” | Tribuna Online

Adolescentes usando celular: eles são mais afetados por alguns efeitos que a intoxicação digital provoca, segundo psiquiatra.
No ranking dos países que mais passam tempo com o celular, o Brasil é vice-campeão. Os brasileiros gastam, em média, nove horas e 13 minutos por dia usando a internet, segundo Relatório Digital Global, divulgado no ano passado.
Crianças e adolescentes também não estão isentos. Estudos apontam que esse público passa de quatro a sete horas por dia no celular. Hiperconectados, os jovens estão tendo dificuldade de viver a “vida real”, analisa o psiquiatra, psicanalista e autor Marcelo Veras.
“O conteúdo que um jovem adolescente acumulou durante 17 anos de sua existência, no século 18, nossos jovens de hoje, em apenas um dia com seus smartphones, têm a mesma quantidade de saber. Ou seja, vivemos em um mundo tomado por câmeras, imagens e velocidade da rede social. A constatação que vejo, sobretudo nos jovens, é que de tanto ver, eles perderam a capacidade de enxergar”, explica.
“Vemos uma geração hiperconectada, mas com uma precariedade muito grande para lidar com questões existenciais”, destaca.
Marcelo Veras.
Autor do livro a “A Morte de Si”, Marcelo Veras esteve em Vitória recentemente ministrando palestra para pais e responsáveis de alunos da Escola Madan sobre “A solidão dos hiperconectados”.
Segundo o diretor pedagógico Rodrigo Pinheiro, a instituição sempre esteve atenta ao tema saúde mental dos estudantes. “Por sermos uma escola de alta performance, precisamos que o aluno esteja saudável completamente, tanto física quanto mentalmente”.
Rodrigo conta que há alguns meses a escola recebeu informações de casos de suicídios de estudantes de outras escolas no Estado e também em São Paulo. “Faríamos esse diálogo com os pais para o ano que vem, mas decidimos antecipar porque não queremos que isso aconteça com nossos alunos”.
Segundo Marcelo Veras, houve um aumento de suicídios entre jovens com idades de 10 a 19 anos, em uma escala mundial. “Coincide que essas curvas vão subindo em 2010 e 2011, justamente quando a conexão começa a ser feita com os smartphones. Alguma coisa desse funcionamento é inquietante”.
A Tribuna – O que você entende por “solidão dos hiperconectados”?
Marcelo Veras – É uma geração hiperconectada, mas com uma precariedade muito grande para lidar com questões existenciais. Acaba que os jogos excessivos e a internet, que podem maravilhosos em determinado aspecto, mas vemos nesses jovens uma grande dificuldade para viver na vida real. Cria-se uma geração de adictos (viciados).
Acredita que a solidão nunca foi tão presente entre os jovens?
É uma solidão compartilhada. Por outro lado, por exemplo, na pandemia, todo mundo fala como foi sofrido para os jovens viverem no confinamento. Mas não é bem assim.
Ao contrário, os jovens se safaram muito melhor que os adultos na pandemia, porque para eles ficarem trancados o dia inteiro jogando foi o paraíso. No processo escolar eles não conseguiram acompanhar, mas não por que estavam deprimidos, e sim por que estavam investindo em outro modo de utilização das redes.
Estamos normalizando o isolamento como estilo de vida?
Existe uma certa normalização pelo seguinte: as cidades perderam a escala humana. Não tem mais aquele hábito de ir para a rua jogar bola. Então, quando os jovens vão para as redes sociais, eles estão indo para a rua. Para o melhor e para o pior.
Adolescentes e jovens são os mais afetados por essa solidão digital do que adultos?
Eles são mais afetados por alguns efeitos que a intoxicação digital provoca como a aceleração, que tira algo importante que é o tempo de elaboração. Mal ele está sendo exposto a uma situação de angústia, ele já está tendo de resolver aquilo, às vezes, até mesmo atentando contra a própria vida.
Qual deve ser o papel dos pais nesse contexto de hiperconexão, visto que muitos também estão hiperconetados?
Os smartphones para os pais têm um significado um pouco diferente do que para os filhos. Eu não acredito que valha a pena fazer controle parental de rede social de adolescentes, isso é uma invasão muito grande.
Mas sou favorável que crianças, que não têm entendimento do sexual, têm de ter controle parental. Já tenho percebido efeitos positivos na vida escolar, com a lei que proíbe os celulares nas escolas. Os efeitos têm sido muitos bons, a escola tem dado uma certa função de limite.
O importante é lembrar que os pais têm de constituir prática de palavra, como conversas. Mas, hoje, os pais estão sempre muito ocupados. Então, é muito difícil ser pais nos dias de hoje.
A internet nos devolveu um sentimento de ideal que é falso, por exemplo, “preciso ter o novo iPhone”, chamo isso de futilitários. Hoje tudo está nas mãos. Isso provoca uma geração de frustrados que não suportam mais esperar.
Quem é
É psicanalista da Escola Brasileira de Psicanálise e da Associação Mundial de Psicanálise, psiquiatra e professor da Especialização em Teoria Psicanalítica da UFBA, da Especialização em Psicanálise e Saúde Mental da PUC Paraná e da Especialização em Psicanálise de Orientação Lacaniana da Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública.
Atualmente, é coordenador do PsiU, Programa de Saúde Mental e Bem-Estar da Universidade Federal da Bahia. Foi diretor do Hospital Psiquiátrico Juliano Moreira e da Escola Brasileira de Psicanálise.
É também autor dos livros “A loucura entre nós” (Contra Capa, 2014), “Selfie, logo existo” (Corrupio, 2018), “Ruídos e silêncios da vida confinada” (LDM, 2021) e “A Morte de Si” (Cult, 2023).
O psiquiatra, psicanalista e escritor, Marcelo Veras na palestra “Diálogos”.
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Fonte:Tribuna OnLine